terça-feira, 8 de abril de 2008

TELEVISÃO: VER E CRITCAR

A televisão ocupa cada vez mais um lugar de destaque na vida das famílias. Seja um ecran plasma ou um aparelho mais convencional, a verdade é que logo depois do jantar, na maioria das casas, o passo seguinte é sentar em frente ao televisor e esperar pelos programas a que habitualmente se assiste, como se nada mais houvesse para fazer. Mas é fundamental, saber ver televisão e ter capacidade crítica.
Lopes de Araújo falou ao Terra Nostra da televisão, do seu papel na vida de adultos e crianças e das consequências do seu excesso, por parte destas últimas, sem o devido acompanhamento.

Há muitos anos atrás, muitas pessoas não souberam o que é o fenómeno da televisão. Hoje em dia, é difícil imaginar viver sem ela.
Segundo Lopes de Araújo, director da RTP Internacional, a televisão não é um “inimigo da escola, mas, sim, um adversário poderoso”, relativamente à capacidade que tem de “seduzir o público em geral e em particular os jovens e as crianças, que são públicos mais expostos e cuja personalidade ainda não está formada e cuja consciência crítica ainda não existe”.
A atenção a ter por parte dos pais como educadores e, dos professores é de uma certa literacia para a televisão. Há que “ensinar a ver televisão” desde casa e depois na escola, para que a criança e o jovem olhem para a televisão numa atitude “crítica e que sejam capazes de questionar e de duvidar, muitas vezes, do que a televisão lhes mostra e, essencialmente, terem consciência de que tudo o que a televisão mostra não é necessariamente verdade, não é só a verdade”. A seu ver, esta atitude crítica tem de ser educada, ensinada pelos pais em primeiro lugar e pela escola também.
O director do canal internacional da RTP avança que a escola durante muitos anos olhou para a televisão com “desconfiança”, o que lhe parece “errado”.
“É chegada a altura da escola e a televisão em conjunto olharem para um fenómeno social importante e com consequências muito graves, do ponto de vista da sociedade que estamos a criar que é a da sociedade não conhecer ou não ter capacidade de distinguir o que a televisão lhe apresenta e, de tomar tudo o que a televisão apresenta por verdade”- salienta.
Se isso começar a acontecer desde a primária, se as crianças forem habituadas a “questionar” tudo o que vêem e se aperceberem como se faz televisão, como a esta constrói as historias e a “distinguir” a realidade da ficção em televisão, a “duvidar da publicidade que a televisão mostra, estamos perante uma tarefa de cidadania importantíssima e de criação e afirmação de uma consciência crítica para o futuro”.
A televisão tem também a missão de educar, reconhece, afirmando que esta não é “exógena” à sociedade, é um meio de comunicação social, mas entendamos que “a televisão hoje é também uma actividade industrial, actividade económica, uma indústria rentável e há uma actividade privada da televisão”. É evidente tratar-se de um produto muito particular, que tem valores ou pode formar valores éticos e, portanto, tem alguma responsabilidade a esse nível. Mas não devemos, explica, pretender que a televisão privada tenha como preocupação uma “formação exclusivamente maioritariamente educativa”.
“A televisão é essencialmente e por natureza diversão e lazer. Logo, a actividade privada da televisão é feita com o objectivo de lucro e de audiência, mas é evidente que cabe, segundo o meu ponto de vista, mais do que à televisão, aos pais, aos educadores e à sociedade a tarefa de educar para a televisão” - acrescenta.
Lopes de Araújo vai ainda mais longe nesta temática, defendendo que deveria ser criada uma disciplina desde cedo, que “ensine as crianças a verem televisão, a perceberem como a ela é feita e, a realidade e a parcialidade da realidade que ela mostra”, pois assim estaríamos a criar uma sociedade mais “esclarecida” e esses jovens depois terão muito mais facilidade em ensinar isto aos seus filhos.
Quanto a um eventual excesso de órgãos de comunicação social em Portugal, afirma que “talvez haja jornais em demasia” para o mercado, porque também há jornais gratuitos, mas pensa ser uma pluralidade “muito saudável”.
Reconhece ainda que há sempre alguns que triunfam e outros que ficam pelo caminho, porque “o mercado não dá para todos, mas não me parece que haja um excesso” de órgãos comunicação social.
Mencionando os constrangimentos que a comunicação social tem, diz serem “impostos pelo mercado” que é de grande concorrência.
Lopes de Araújo aborda ainda uma outra questão fundamental, a Internet e o acesso a conteúdos online que vieram “mexer muito com as audiências tradicionais dos jornais”, mas, por outro lado, defende que os órgãos de comunicação social têm também a vida muito mais facilitada do que há 20 anos, porque estes mesmos constrangimentos trazidos pela internet são também “novas oportunidades”, lembrando haverem jornais que têm uma edição online e outra edição impressa.
“Há outras formas de rentabilização, nomeadamente em portais ou nas próprias edições online de publicidade e de banners publicitários, que acabam por rentabilizar os recursos. Por isso, não creio que seja constrangimentos que possam levar a um colapso social a nível da imprensa escrita”- acrescenta.
Admite que a imprensa está a passar por uma “crise complexa” que, a seu ver, tem mais a ver com a Internet e com a disponibilização de conteúdos online, a facilidade de acesso aos mesmos e “o aparecimento de jornais gratuitos, que é já um reflexo que alguma coisa não está bem”. Mas entende que esta, como todas as crises é passageira e que o jornal escrito e impresso nunca será substituído e tem um valor “insubstituível”. Em Portugal, o director lamenta o facto, que considera “evidente”, de haver, com os baixos níveis de literacia e de educação, “pouca gente a ler imprensa escrita e a comprar jornais”, o que encara como um resultado também da própria “crise em que vivemos e da falta de dinheiro, pois as pessoas cortam onde supostamente lhes faz menos falta”. “Mas o jornal continua ser para mim e para a minha geração uma referência importantíssima no acesso à informação. Leio o jornal todos os dias”- salienta.
Referindo-se ao desenvolvimento dos Açores, Lopes de Araújo afirma sentir uma “grande diferença nos Açores, de onde saí há 13 anos”. Diz visitar a Região cerca de uma vez por ano, sempre em visitas rápidas de um dia ou dois no máximo e nota um “progresso e desenvolvimento geral”, o que para si é “muito positivo”. Por outro lado, crê não termos características para sermos mais uma Madeira, ou mais umas Canárias, desde logo “pelo clima e a própria paisagem é muito diferente”.
“Temos um tipo de oferta de contacto com a natureza e que tem sido muito bem promovido pelo governo regional na sua publicidade e na sua propaganda dos Açores. A natureza é uma riqueza inigualável que nós não temos na Madeira e em Portugal continental, outro igual, nem no Algarve” -enfatiza.
Mesmo sabendo que o clima se está a alterar em todo o mundo, reconhece que “se não tivermos nos Açores o sol que na Madeira ou nas Canárias tem outra latitude, nunca teremos um turismo de massas”, que procura sempre o sol basicamente.
Sabendo que a Região nunca será bem uma oferta de praia, pois não temos “quilómetros de areia branca”, Lopes de Araújo chama a atenção para um turismo de “contacto com a natureza, de tranquilidade e aí ninguém nos bate”.
Quanto à televisão, o director lembra que, como todos sabemos, a televisão corta o diálogo entre as famílias e todos sentimos isso nas nossas casas. Alerta também que “quando passamos o tempo a assistir a programas de televisão, obviamente não estamos a passar tempo com os nossos filhos, cônjuges ou pais”. Desde que apareceu a televisão transformou muito a vida da família e, como costuma dizer “a tradicional lareira foi substituída pelo televisor”.
“As pessoas agrupam-se na sala em torno do aparelho, como antes faziam à volta da lareira. A televisão marca o centro da sala, quando uma pessoa compra uma casa, olha para a sala vazia e vê logo onde está a ligação da televisão, para a partir daí mobilar a sala. A televisão dispõe da casa e acaba por jogar um papel muito determinante da vida e do espaço familiar”- salienta, afirmando ser uma situação “incontornável”. E há que ter consciência disso, desse peso e da importância da televisão e da sua capacidade de “atrair e seduzir”. Temos de educar a nossa família, de nos auto-educarmos, de nos tornarmos mais críticos, olharmos a televisão e, sobretudo, termos a capacidade de a “desligar quando necessário, para termos uma boa conversa ou para receber uns amigos” que vão lá a casa, como tem o hábito de fazer na sua própria casa.
Avança ainda ser “terrível” quando se recebem amigos em casa e se deixa a televisão ligada, porque é sinal evidente de que não se quer falar nem conviver com os amigos.
“O ser capaz de desligar a televisão é também um acto de cidadania, é o ser capaz de substituir a televisão por outra coisa. A televisão não é tudo na nossa vida, é um meio de comunicação importante, mas não é tudo e temos que ter a capacidade de ultrapassar este fetiche, esta capacidade sedução extraordinária que a televisão tem”- evidencia.
Referindo-se à situação actual da televisão pública e privada em Portugal, começa por dizer que a televisão pública, que é concessionada à RTP, tem feito “um bom trabalho e mantido uma boa audiência no conjunto dos canais portugueses sem descuidar as suas preocupações de serviço público”.
Apesar de ter como objectivo primordial “ganhar dinheiro, facturar, pois é isso que faz qualquer negócio privado”, a televisão privada em algumas circunstâncias, nomeadamente na informação da SIC e em alguns aspectos de produção da ficção da TVI tem dado também um “contributo importante à sociedade portuguesa e até de padrões culturais elevados”, factor que regista “com prazer”.
A nível do canal regional, afirmou não saber nada da estação desde que se mudou para Lisboa, cidade à qual, “infelizmente”, o canal não tem acesso, mas entende tratar-se de um elemento muito importante para a “coesão” da identidade açoriana.
Quanto à introdução da RTP Açores na Cabo nacional, defende ser algo “positivo”, desde logo para os açorianos que vivem lá fora poderem ver a informação e conteúdos regionais.
“Às vezes dou conta que os nosso conterrâneos que vivem nos Estados Unidos sabem mais dos Açores, do que nós que vivemos no continente”- acrescenta, revelando a existência de um “défice muito grande mesmo na imprensa, pois é raro, esta no continente dar notícias dos Açores”. Por isso, tudo o que seja para fazer chegar e divulgar os Açores ao resto do país é “positivo”.
Lopes de Araújo aproveita a ocasião para mandar uma mensagem aos espectadores açorianos, aconselhando a que sejam “muito críticos em relação ao que passa na televisão e que tenham a capacidade de fazer outras coisas para além da televisão, como conversar, dialogar, ler, passear, sair à rua”, pois, a seu ver, as cidades e os espaços tornam-se “seguros” se as pessoas saírem de casa.
Lamenta também o facto de que a televisão “prende muito” as pessoas em casa, ganhando estas “hábitos sedentários”.
As pessoas “acabam de jantar e ficam a olhar para a televisão” e há muito para fazer fora de casa. Actualmente, “os Açores têm uma grande oferta de espaços culturais, de cinema”, actividades que sabe que custam dinheiro, mas há outras alternativas, há espaços para passear.
“Mesmo as cidades mais pequenas têm uma actividade cultural muito interessante e é muito importante que as pessoas sejam capazes de olhar para o mundo para além da televisão e saberem que há muito mais coisas para fazer, para além de ficar a olhar para a televisão terem uma atitude crítica e duvidarem muitas vezes do que a televisão mostra, tanto a nível de informação como de ficção”.
Lopes de Araújo termina, reconhecendo a existência de muitos “viciados” em televisão, principalmente “as crianças, que passam em média 3 a 4 horas diárias em frente ao aparelho, o que é preocupante”.
“Mas pior do que o tempo de exposição, é as crianças não verem televisão acompanhadas por um adulto que possa ensinar à criança algumas coisas que vê na televisão”- conclui.

TELEVISÃO: O APARELHO

A televisão é um sistema electrónico de transmissão de imagens e som, de forma instantânea. Funciona a partir da análise e conversão da luz e do som em ondas eletromagnéticas e da sua reconversão, num aparelho que recebe o mesmo nome do sistema ou pode também ser chamado de aparelho de tv. O aparelho de tv capta as ondas eletromagnéticas e através de seus componentes internos converte-as novamente em imagem e som.

O primeiro sistema semi-mecânico de televisão analógica foi demonstrado por
John Logie Baird, na Londres de Fevereiro de 1924, com uma imagem do desenho animado Felix the Cat e, posteriormente, imagens em movimento A 30 de Outubro de 1925. Um sistema electrónico completo foi demonstrado por Philo Taylor Farnsworth, em 1927. O primeiro serviço analógico foi a WGY em Schenectady, Nova Yorque, inaugurado a 11 de Maio de 1928.
Os primeiros aparelhos de televisão eram rádios com um dispositivo, que consistia num tubo de néon
com um disco giratório mecânico (disco de Nipkow) que produzia uma imagem vermelha do tamanho de um selo postal. O primeiro serviço de alta definição apareceu na Alemanha em Março de 1935, estando disponível apenas em 22 salas públicas. Uma das primeiras grandes transmissões foi a das Olimpiadas de 1936, em Berlim. O uso da televisão aumentou enormemente depois da Segunda Guerra Mundial, devido aos avanços tecnológicos surgidos com a guerra e à renda adicional disponível (e havia pouca programação disponível).
A televisão a cores surgiu em 1954, na rede americana NBC. Um ano antes o governo americano aprovou o sistema de transmissão em cores proposto pela CBS, mas quando a RCA apresentou um novo sistema que não exigia alterações nos aparelhos antigos em preto e branco, a CBS abandonou sua proposta a favor da nova.
Em Portugal, as primeiras experiências com a emissão de televisão a preto-e-branco, começaram em 1949 mas a inauguração oficial da televisão a nível nacional teria a sua data marcada para Setembro de 1956, quando, no recinto da Feira Popular em Lisboa, se dá a emissão das primeiras ondas hertezianas, com a presença de uma enorme massa popular.
Relatos do Jornal de Noticias da época diziam que, "na Praça dos Restauradores o movimento foi além do que era de esperar e, por isso, parou o trânsito e criaram-se dificuldades que a PSP resolveu ordenando a abertura de um canal, não de TV, mas sim para carros e pessoas poderem circular".

BIOGRAFIA

José Maria Lopes de Araújo nasceu, em São Miguel, há 48 anos. Licenciado em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, exerceu advocacia e foi admitido na RTP como jornalista, com apenas 18 anos.
Chefe de redacção da RTP e apresentador do Telejornal do Canal-1 entre 1981-84; director da RTP Açores durante 11 anos; director de Produção da RTP durante seis anos; administrador da FOCO, SA e Edipim Estúdios; assessor do Conselho de Administração da RTP
; assistente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra onde leccionou na Licenciatura de Jornalismo; monitor do Centro de Formação da RTP e da Universidade de Verão de Comunicação Social de Carcans-Maubuisson-Bordéus, foram alguns dos cargos que desempenhou.
É ainda membro do Instituto Açoriano de Cultura e do Instituto Histórico da Ilha Terceira.Desde Janeiro de 2004, é director dos Canais Internacionais da RTP, para além de Assistente da Universidade Católica Portuguesa, onde rege as cadeiras de História dos Média e de Comunicação Televisiva.

Raquel Moreira
Public in Terra Nostra, Abril 2008.

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