terça-feira, 29 de abril de 2008

UMA FORÇA !!

Todos os anos, vemos várias pessoas a percorrem as ruas da cidade, de joelhos e carregando sírios, na procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres. Para além da óbvia fé, da vontade e do desejo de cumprimento das promessas feitas por doença de familiares, ou outra qualquer desgraça que se abate sobre as famílias, há algo mais que as move, que as motiva e, sobretudo, que lhes dá força para fazerem todo o caminho, chegando ao fim cheias de feridas nos joelhos. É nessas alturas, que até os menos crentes têm de ‘dar o braço a torcer’ e reconhecer a existência de uma força superior que nos guia. Uns chamam-lhe Deus, outros não, a verdade é que ela existe.
E cada vez que olhamos para a natureza ou que pensamos no milagre da concepção somos ‘forçosamente’ conduzidos a acreditar na existência deste poder sobrenatural, que nos transcende a todos e ao qual recorremos todos, nem que seja uma única vez na vida, chamando-o ‘Meu Deus’ ou algo parecido. Infelizmente, o ser humano funciona assim. Muitas vezes, afirma não acreditar em nada, mas na chamada ‘hora de aflição’ dá por si a chamar por Aquele que lhe deu vida.
Acreditar, acreditamos todos, mesmo quem, por vezes, diga o contrário. Resta saber, que nome dão à força que os impele para seguir em frente, seja na procissão ou ao longo da vida.
Olhando para as diferentes capas do Senhor Santo Cristo dos Milagres, já pararam para pensar quantas histórias contam cada uma das lindas jóias que as ornamentam? Quantas vidas envolvem cada brilhante e cada sinal de luz escondido por entre todo aquele ouro, prata e restantes materiais? Quantas famílias estiveram ‘à beira’ de perder um ente querido e vieram depois agradecer tal tragédia não ter acontecido nas suas vidas? E, acima de tudo, quantos crentes doaram os seus pertences apenas por devoção, por fé?
Cada vez que olhamos para a procissão, ou para a imagem do Senhor Santo Cristo, se cada uma daquelas peças falasse, seria infindável o número de histórias, de alegrias e de tristezas que estas teriam para contar. Seria um emaranhado de vozes, imperceptível a quem as quisesse conhecer a todas. São anos de vida, anos de histórias de açorianos, e não só, que todos os anos caminham pelas ruas da cidade, para serem vistos e admirados pelos locais e também, em grande escala, pelos emigrantes que propositadamente se deslocam a São Miguel, por altura das festas. Matar saudades da terra e rever a família são os motivos de que mais se ouve falar, mas o facto é que o mês de Maio é quase sempre o escolhido para voltarem às suas origens, durante anos a fio.
As festas são imperdíveis para os seus corações, tal como as lágrimas lhes escorrem pela cara ao fim da tarde de domingo, enquanto ouvem o maravilhoso hino desta divindade. Uma música com poderes nunca vistos, uma música que nos faz pensar e repensar na nossa vida, olhar para trás e desejar, bem no fundo, que tudo melhore. É nesta altura, que nos apercebemos do real valor da vida e da importância de estarmos vivos, sem sequer nos lembrarmos de coisas que, em outra altura, muitas vezes nos preocupam e ocupam o dia inteiro. É nesta altura que queremos dizer a alguém (seja quem for) ‘gosto muito de ti e tenho medo de não o conseguir dizer antes de nos deixares. Muitas vezes, o orgulho, próprio da raça humana, impede-me de o fazer, o que não significa que não o queira’. E quando tal acontece, quando essa pessoa nos deixa para partir para ‘muito longe’, aí arrependemo-nos de nada termos dito e lá vamos vivendo, um dia após o outro, tristes, na esperança de que esta pessoa soubesse o que nos ia no coração. Vencer uma luta ou uma discussão, torna-se imensamente insignificante perante toda a plenitude de, como disse o filósofo Sócrates, constatarmos que nada sabemos. É ao descobrir esta verdade, que ficamos a saber tudo, pois termos consciência da nossa pequenez em relação ao Divino, é meio Caminho para lá chegar.

Raquel Moreira
Public in Terra Nostra, Abril 2008.

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